sábado, 12 de julho de 2014

Algumas observações quanto à redução da maioridade penal

Continua a toda a campanha pela redução da maioridade penal (tem até político infringindo a lei e fazendo campanha eleitoral antecipada com a desculpa sobre um plebiscito temático). Já falei antes que não considero essa discussão algo a ser proscrita, mas, em sua maior parte, ela tem sido dirigida para um apelo emocional que distorce as coisas.

Uma das peças dessa campanha diz: "Ao menos quatro entre cinco brasileiros concordam com a redução da maioridade penal para 16 anos. Por quê, então, ainda estamos reféns desses marginais precoces?" (Ainda por cima ignora que a mudança, legalmente, não é nada simples. A menoridade penal até os 18 anos é um dos direitos e garantias individuais, na interpretação de vários juristas, é uma das cláusulas pétreas, portanto não sujeitas a mudanças por emendas constitucionais - seria preciso uma nova constituição.)

Comentei rapidamente sobre a questão (a respeito de menores psicopatas), retomo o tema listando alguns pontos de meus pensamentos.

1) Pensando com meu fígado, eu queria ver menor infrator tudo na cadeia - já fui assaltado por trombadinhas noiados;
1b) Mas é com o fígado, desejo de vingancinha.

2) Tem ainda um bocado de hipocrisia: uma boa parte (a maioria?) dos que defendem redução da maioridade penal, pensa só exatamente nesses trombadinhas.
2b) Quando é mauricinho de classemédia que mata um índio queimado, que agride pelas costas com lâmpada fluorescente quebrada alguém que acha que é homossexual, a conversa tende a mudar de figura: "são só crianças, estão arrependidas, não farão isso de novo"...
2c) O que a Veja dizia quando eram adolescentes de classemédia que pmataram o pataxó Galdino:
"Qualquer pessoa honesta com seus sentimentos sabe que, diante de um crime brutal, às vezes o que se deseja não é justiça mas a vingança, que dá satisfação imediata, alivia e até repara a dor sentida. Mas a Justiça não é isso. Ela existe para que as partes sejam ouvidas, os fatos examinados e, por fim, um juiz, no silêncio de seu gabinete, dá uma sentença de acordo com a lei e com sua consciência. É fácil pedir punições exemplares  especialmente quando se trata dos filhos alheios. Também é agradável empolgar-se com o clamor popular  a dificuldade é que, muitas vezes, se clama pelas causas erradas, ou mesmo por penas injustas, ou até pela condenação de inocentes, como ocorria no Brasil nos anos do regime militar. 'Um juiz não pode viver numa redoma, alheio à realidade da sociedade em que vive, mas também não pode julgar pelo clamor popular', diz um ministro do Supremo. 'Julgar pelo clamor popular é o mesmo que linchamento.'"
2c.ii) Quando um universitário foi morto por um adolescente pobre, a mesma Veja disse que a maioridade penal é um dogma que precisa ser derrubado.

3) Só vou achar que a defesa da redução da maioridade penal não é uma hipocrisia quando:
3a) Defender a redução não só para os pobres e pretos; mas também para filhos adolescentes e/ou pré-adolescentes de brancos e ricos;
3b) Não incluir apenas a redução da maioridade penal, mas geral - civil (casamento, empresa, habilitação para dirigir, permissão para compra e venda de bebidas alcoólicas e fumígeros, etc.), sexual (vão querer mesmo abrir mão da legislação anti-pornografia infantil?), trabalhista (se bem que tem gente louquinha pra que a legislação contra o trabalho infantil caia), político (sair pelo menos para vereador), etc, etc.

4) Óbvio que continuarei contrário à redução da maioridade (penal e geral), mas reconhecerei que não estarei diante de um hipócrita.
4b) Minha argumentação básica é a seguinte: a redução da maioridade penal passa por atribuir ao infrator discernimento suficiente sobre seus atos (condição necessária para a imputabilidade), mas se tem consciência suficiente a respeito de suas próprias ações, decorre que todos os demais vetos que visam proteger os menores justamente por supostamente não terem plena posse de capacidade de julgamento sobre sua própria vida não fazem sentido: os menores têm capacidade para julgar se devem ou não beber, fumar, prostituir-se, participar de filmes pornográficos, abrir empresa, casar e constituir família...
4c) Aceito argumentações baseadas caso a caso em exames psicológicos sobre a capacidade individual de discernimento.

4 comentários:

André disse...

1) Pensar com o fígado, desde que não seja uma autoridade envolvida diretamente como o caso, não é de todo ruim, as vezes é a única maneira de estimular um debate;
2) Infelizmente, a hipocrisia mais visível vem de quem tem até manual de redação para evitar esse tipo de coisa;
3) Sim, a redução da maioridade penal deve valer para todos. Inclusive, a solução caso a caso não é boa justamente porque, na prática, iria restringir a redução para os pobres e pretos;
3b) Sim, tem esse efeito colateral. Mas os jovens já fazem tudo isso.
3c) "... sexual (vão querer mesmo abrir mão da legislação anti-pornografia infantil?)"
Se a redução for para menos que 14 anos eu sou contra.
4b) Creio que os jovens tem muito mais um otimismo de que não serão pegos que uma falta de discernimento sofre as consequências de seus atos para as vítimas.

André disse...

1) como => com
3b) ... já fazem quase tudo ...
3c) ... for para muito menos que 14 ...
4b) sofre => sobre

none disse...

Salve, André,

1) Mas alguma hora o debate tem que passar para o cérebro;
3) Não tinha pensado nessa possível consequência do julgamento caso a caso;
3b) Mas pelo menos é possível punir os responsáveis: quem emprega trabalho infantil, explora menores, etc.
3c) Mas acha q pra maior de 14 anos (e menores de 18), tudo bem se prostituírem, participarem de filmes pornográficos?
4b) Mas esse otimismo é tb uma falta de discernimento.

Valeu pela visita e comentários.

[]s,

Roberto Takata

André disse...

3c) Para maiores de 16, na minha opinião, tá beleza. Entre 14 e 16 eu não tenho opinião formada. Mas a discussão teria, como um dos objetivos, justamente definir a nova idade da maioridade.
4b) Sim, mas não creio que ele acabe exatamente aos 18, e penso que o mais importante é que eles têm plena consciência das consequências de seus atos para terceiros.