domingo, 1 de novembro de 2015

Armas e homicídio: dissuasão não muito persuasiva

A Bancada da Bala articula-se com outros setores conservadores do Congresso para a revogação do Estatuto do Desarmamento. Deputados defendem a liberação da posse de arma por cidadãos comuns com argumentos similares - na verdade exatamente igual - aos dos lobistas pró-armas nos EUA (como a NRA): cidadãos de bem armados inibem a ação de bandidos.

Como apoio à tese, citam um tal estudo de Harvard "comprova que, quanto mais armas os indivíduos de uma nação têm, menor é a criminalidade". Na verdade não é um estudo de Harvard - não foi feito por pesquisadores associados à instituição. Não é nem um estudo formal, foi publicado em uma revista editada por estudantes da universidade, sem revisão por pares (logo, sem indexação). E, claro, contém várias falhas.

De todo modo, temos números nacionais sobre o grau de armamento da população e a taxa de homicídios em vários países de modo que podemos fazer uma análise para testar essa hipótese de dissuasão.

O DataBlog do jornal inglês The Guardian tabulou esses valores em 2012. Levantamento similar já foi feito também por pró-armas - plotando as variáveis e fazendo uma regressão linear obtém uma correlação negativa: de fato, quanto maior o número de armas por cidadão, menor o número de homicídios por 100.000 habitantes-ano (Fig. 1).

Figura 1. Mais armas, menos mortes? Regressão linear entre taxa de homicídios por 100.000 habitantes-ano e número de armas a cada 100 habitantes.

Note-se, porém, que o grau de ajuste é muito baixo, como mostrado pelo R² de apenas 0,0104.

Uma relação geométrica tem um ajuste melhor - mas também baixo (Fig. 2).

Figura 2. Mais armas, mais mortes? Regressão geométrica indica o oposto da regressão linear.

Na verdade, um melhor preditor da taxa de homicídio em um país é o IDH: quanto maior o IDH, menores as taxas homicídio (Fig. 3).

Figura 3. Mais desenvolvido, menos mortes? Regressão linear entre logaritmo de IDH e logaritmo de taxa de homicídio (eliminando-se os pontos com valor 0).

A região com IDH acima de 0,613 [log(IDH)>-0,23] tem um ajuste melhor (Fig. 4) - parece que a mortalidade não varia muito (se mantém mais ou menos alta) para IDH mais baixos.

Figura 4. Mais desenvolvido, menos mortes, então? Entre países com IDH maior do que cerca de 0,6 há uma relação inversa relativamente boa entre desenvolvimento e taxa de homicídios.

Considerando-se países com IDH maior do que 0,613, se eliminarmos a influência do IDH e plotarmos as taxas residuais de homicídio (log das taxa de homicídio menos log das taxas de homicídio esperado para o log de IDH), temos uma relação direta (em termos de log) entre a quantidade de armas disponíveis para a população e taxas de homicídio (Fig. 5) - note-se, no entanto, que o ajuste não é dos melhores: R² - 0,17 (mas bem melhor do que, p.e., o ajuste da relação de proporcionalidade direta entre número de armas na população e taxas de homicídio).

Figura 5. Mais armas, mais mortes? Relação linear entre log(número de armas por 100 habitantes) e log(taxa de homicídio - após correção pelo log de taxa de homicídio esperado pelo log do IDH).

Obs. Esta análise não deve ser levada a ferro e a fogo. Mas está de acordo com a maioria dos estudos mais rigorosos publicados sobre o tema como o de Killias 1993.

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