sábado, 26 de abril de 2014

A forquilha CxP (Ciência x Pseudociências)

Continuando no tema do status epistemológico das ciências.
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Sim, o que chamamos de ciência (e os detratores de "forma de dominação cartesiano-materialista do capitalismo ocidental") erra com boa frequência. E, sim, o que chamamos de pseudociências (e os defensores de "ciências alternativas") acerta ocasionalmente. Mas, então, qual a diferença?
A prática científica está eivada de modismos, lapsos, estatísticas ruins, interpretações errôneas, pressões de pares, influências econômicas, erros honestos, práticas duvidosas e até fraudes. Mas isso tudo *não* faz parte integrante do processo de produção do conhecimento científico - é o contrário das boas práticas - e está presente em qualquer outra área de atividade humana. Sempre que procuramos controlar a influência de tais fatores, temos uma melhora na confiabilidade dos resultados. Fraudes e cia. conduz-nos, via de regra, a becos sem saída, a resultados que não podem ser reproduzidos honestamente, que nos leva a predições errôneas a respeito de fenômenos naturais.
A prática pseudo... alternativa também tem seus fraudadores. Porém, na melhor das hipóteses (melhor para as pseudo... alternativas), um processo fraudulento não é distinguível em termos de resultados de um processo feito diligentemente seguindo todas as práticas prescritas nos manuais e tradições. Mas, com frequência, é sim distinguível. No entanto, os resultados *fraudados* são melhores do que os não fraudados. Uma astromante charlatã que contrata espiões acerta mais sobre os detalhes da vida do consulente do que uma astromante que siga estritamente as regras de interpretações de mapas natais e de sinastria. Uma empresa desonesta de meteorologia espírita acerta com mais frequência as previsões do tempo ao consultar... bem, as previsões do tempo feitas pela meteorologia científica do que uma empresa honesta de meteorologia espírita que apenas canaliza espíritos desencarnados para consultá-los quanto às condições do tempo em uma dada data.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O Saci Pererê histórico existiu?

Esqueça poderesemos mágicos. Nada de se deslocar no meio de redemoinho de vento, portanto. Fiquemos só com o essencial: um garoto negro, de uma perna só, que gosta de fazer travessuras. Provavelmente que tenha vivido na antiga região das Missões no Sul do Brasil no fim do século XVIII.

1) Temos relatos de vários autores independentes sobre o avistamento do Saci. (Critério da multiplicidade.)
2) A maioria dos relatos são sobre as peças que ele prega. (Critério do constrangimento.)
3) As características básicas sobre o Saci nos múltiplos relatos são mantidas. (Critério da coerência.)
4) Escravos negros estavam presentes na região desde o início da colonização portuguesa (entre os fins do séc. 17 e início do 18). (Critério da plausibilidade histórica.)
5) O Saci não pertence nem propriamente à mitologia indígena (ainda que algo similar ao curupira), nem à mitologia portuguesa. (Critério da dissimilaridade.)

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Este texto é uma leve sacaneada com o Reinaldo José Lopes (a quem e cujo trabalho admiro muito) e sua série sobre o Jesus histórico em seu blog Darwin e Deus (cuja leitura recomendo muito - embora eu mesmo pouco tenha lido por causa do paywall poroso da Folha): http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/04/15/desculpai-mas-jesus-existiu-um-preambulo/
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Embora uma provocação ao Reynolds, não se pretende ser uma afronta a sua religião, nem à fé dos cristãos. Quero apenas discutir a validade dos critérios de autenticidade como critério de veracidade dos relatos.

(Não defendo a inexistência de um Josué Nazareno histórico, apenas que os indícios de sua existência são muito fraquinhos. Como já tratei aqui mesmo neste blogue.)

terça-feira, 15 de abril de 2014

Space quota exceeded 11


Nota1: Rosa apagou um comentário dela em que dizia que meu fanatismo petista* me cegava enquanto eu respondia com "não sou ativista. E não há nenhum fanatismo. Há é uma opiniãoo embasada em fatos. Funcionam."

Nota2: o tal "surto esquerdopata coitadista" a que o vermelho se refere é um episódio ligado a uma postagem do próprio vermelho sobre chineses que pintaram uma montanha de verde - aparentemente para "compensar" o desmatamento (uma notícia antiga, de 2007, ressuscitada em 2014 no Facebook). Um amigo de vermelho, azul claro, postou como comentário que os chineses não chegavam a ser seres humanos. Respondi com um: "racist comment detected". Um terceiro, cinza, começou a defender o comentário racista com mais racismo. A própria rosa, esposa de vermelho, reconheceu, em mensagem privativa, que os comentários eram inapropriados.

Não tenho por hábito publicar mensagens pessoais, mais para fins de transparência reproduzo - com os nomes devidamente omitidos.



*Provavelmente eu sou um dos únicos petistas que estáão à espera até agora da carteirinha de filiação pedida ao PSDB...

Upideite(17/abr/2014): Em resposta a uma postagem minha no FB, onde resumo (de novo, sem falar nomes) o ocorrido, rosa enviou a mensagem abaixo (apesar de privativa, revelo aqui, já que pode ser caracterizada como hatemail, mas, além disso, acresce informações importantes sobre o episódio).

sábado, 5 de abril de 2014

Pesquisas e análises: vê se me erra

Importante instituto publica errata por erro na leitura de uma tabela. Ipea? Não, Datafolha, ano passado.

Aí a Folha, em falta completa de autocrítica, diz que erro do Ipea é sinal de politização. Então o Datafolha é politizado? (Bem, claro que é, mas o erro não é pela politização. O erro é um erro.)

Não vamos overanalisar a falha do Ipea (nem do Datafolha). Sim, é um erro feio, constrangedor. Mas, a menos que você conheça bem a rotina de trabalho do instituto e dos autores do relatório (e mesmo assim estará se arriscando muito), é complicado apontar a causa ou as causas do lapso.

Um único erro não nos diz muita coisa além de que... bem, erros acontecem. Ele não diz que uma checagem não foi feita. Conferências diminuem incidências de erros, mas não os eliminam. Então, a menos que tenhamos uma coleção de erros em um dado intervalo de tempo, não podemos inferir sobre a qualidade do processo de revisão.

Era melhor que o deslize não tivesse ocorrido - mas foi o que ocorreu. Uma vez que o erro tenha ocorrido, era melhor que o tivessem corrigido, uma vez notado - e foi o que ocorreu.

Montar teorias conspiratórias é fácil: quer à direita ("o Ipea queria era tirar o foco das discussões da Petrobras"), quer à esquerda ("o diretor demissionário estava lá desde o governo FHC"). O fato de você conseguir pensar em uma não mostra muita coisa além do fato de seu cérebro ser minimamente criativo e relativamente desocupado.

terça-feira, 1 de abril de 2014

A vaqueira, o cientista e o banqueiro

Voltando um pouco à discussão sobre o status epistêmico das ciências...

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"Jenner descobriu a vacina antivariólica porque levou a sério a resposta de uma vaqueira inglesa ao médico." MORIN, Edgar

O que é verdade. Mas teve que submeter a processos de investigação para ver se o efeito protetivo da varíola bovina contra a varíola humana ocorria mesmo e com benefícios superando os prejuízos (além de um grau de dúvida razoável). [E tem uma história pregressa a Jenner, como Jesty e Pletter, mas enfim.]

Quem levar a sério que arrancar raiz de mandrágora puxando a da Terra ouvirá um grito (vindo da raiz e não da dona do jardim) terá apenas decepção. Até faz sentido ter uma abertura inicial da mente e fazer um teste. Mas isso a ciência de modo geral tem: já fizeram testes com homeopatia, astromancia, ESP, experiências de quase morte, etc. Só que os resultados dos testes foram contrários às alegações iniciais. Não funcionam.

Com uma certa frequência não nula, conhecimentos populares, tradicionais, étnicos passam nos testes. Parte desse conhecimento passou por filtros práticos de uso por décadas, séculos e milênios. Mas não é um filtro tão eficiente (há inputs de lendas, mitos, enganos, logros...), de modo que a frequência não é particularmente alta.

Você deve levar um conhecimento tradicional a sério no sentido cultural (dentro de limitações éticas: p.e. não dá pra aceitar a prática da circuncisão feminina - cliterectomia - como uma prática tradicional). Mas o fato de ocasionalmente conhecimentos tradicionais específicos passarem em testes científicos não torna a ciência e conhecimentos tradicionais como equivalentes epistemológicos, não têm o mesmo status epistemológicos.

Se tivessem, teriam o mesmo grau de acerto geral em suas previsões.

(Obviamente não quer dizer que a ciência seja infalível. Mas, dentre todos os processos tentados é o que produz mais resultados. E boa parte dos problemas das ciências dizem respeito exatamente à falha em seguir os parâmetros de pesquisa: ocorrem fraudes com frequência maior do que gostaríamos, mas fraudes não são parte integrante do processo científico - e estão presentes em quaisquer outras áreas. Se a pesquisa é honesta, diligente, metódica, há um bom grau de confiabilidade no resultado; já se alguém aplicar honestamente a astromancia, de modo diligente e metódico, não teremos um resultado mais confiável do que uma aplicação aleatória do mesmo processo.)

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Note-se que não se trata de uma defesa de que todo e qualquer conhecimento não científico - não gerado no corpo científico e/ou não validado pelo corpo científico - seja irracional, seja de segunda categoria, deva ser erradicado ou relegado ao desprezo.

Meu argumento é mais no sentido de "o que faz melhor previsão sobre o resultado que será obtido". Os mitos de criação hindu, ianomâme, bosquímanos, etc. são culturalmente ricos e devem ser assim valorizados. Mas culturalmente. Isso enriquece nossas referências - um exemplo bem bobo: Carlos Ruas faz um trabalho muito engraçado (e respeitoso) da integração dessas crença em muitas tirinhas de Um Sábado Qualquer. O que fico cabrero é quando dizem ou insinuam que tais mitos explicam factualmente tão bem as origens e evolução do universo quanto os modelos científicos (aquele papo de "equal time").
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Não é, assim, tampouco uma defesa de divisão entre uma elite intelectual de saber válido e um cidadão comum, ignorante de tudo.

Até porque a "elite intelectual" ocidental, em boa parte, ignora aspectos básicos do conhecimento científico. Uma parte até valoriza, mas desconhece. Outra valoriza, mas valoriza aspectos errados - consomem bobagens pseudocientíficas como se fossem ciência séria. E há uma parte abertamente hostil - confundem críticas (bem postas) às práticas ideológicas da tecnociência com o processo científico em um sentido mais amplo.
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Em relação à ligação entre a tecnociência e a elite capitalista, com esta valendo-se daquela como instrumento de poder. Tem a prática efetivamente implantada - nesse esquema há distorções sérias e me parecem que as críticas são perfeitamente válidas. Mas as ciências podem funcionar em outro esquema também. Já funcionou sob várias estruturas, inclusive em sociedades socialistas. Quando se confunde a crítica à uma configuração específica da prática científica com uma crítica mais ampla ao processo científico amplo, aí já entramos no terreno da anticiência ("a ciência é intrinsecamente má e não tem conserto"). Não existe neutralidade em nenhum grupo social, inclusive de cientistas. Mas também de artistas plásticos (houve e há movimentos artísticos fascistas como o Futurismo), literatos, esportistas e nem nas próprias ciências sociais. Agora, quanto à sacralidade das ciências, é só até a página 2: vários grupos capitalistas importantes renegam as ciências do clima, p.e.

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Obs: Agradeço ao Bruno de Pierro por não concordar comigo (ao menos em parte), permitindo um desenvolvimento mais rico da discussão.