quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 6


Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 5 aqui.)
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Quase nenhum pêssego viria naquela safra. Um ou outro, mirrados, em um ou outro pé. Fruto da polinização ineficiente pelo vento, mosca ou borboleta. A 60 metros do pomar, caixas vazias do apiário. No chão, próximo às colmeias, corpos ressecados de centenas de milhares de operárias formavam uma tenebrosa serapilheira. Seu João não tinha como saber que a causa estava a cerca de 800 metros dali. Sabia apenas que teria sérios problemas para pagar a dívida contraída com o banco.

Poucos dias antes, um avião monomotor dava rasantes sobre a plantação de algodão safrinha. Microgotículas pulverizadas a partir do sistema de atomização da formulação caíam como fina névoa. 30 a cada 100 das bilhões de esferas líquidas microscópicas repousavam sobre os algodoeiros; 50 a cada 100 caíam sobre o solo (dali, parte seria absorvida pelas raízes das plantas), e o restante flutuava ao sabor da brisa e se espalhava para além da área de plantio. Isso quando o equipamento estava perfeitamente calibrado, o dia estava bom, com baixa ventosidade e na temperatura ideal. Não era, nem de longe, as condições de então e raramente o era nas demais ocasiões. Os dias eram quentes nesse inverno, seco, e ali ventava quase sem parar. A população de ácaro rajado havia aumentado ligeiramente, levando a uma intensificação da aplicação à base de neonicotinoide – mesmo sob proibição pelo Ibama da aplicação aérea do composto.

40 a cada 100 gotas viajaram para além do algodoal da Fazenda Alba Baumwolle. 1 a cada 100 foram parar a mais 1 km de distância do local.

Da varanda da sede, Flora, enquanto sugava pelo canudinho o suco da caixinha, tinha à vista os volteios da aeronave. Não podia ver o exército de microgotas desgarradas. Via apenas a névoa das gotas maiores caindo exatamente sobre os pés de algodão. Ademais, garantiu-lhe o agrônomo, o produto era pouco tóxico para animais – isto é, para vertebrados, que são os únicos seres que valem a pena ser preservados (pelo menos na cartilha ambientalista classe média em que ela havia se alfabetizado; sim, havia as abelhas também, úteis, ao contrário das daninhas formigas e outras pragas rastejantes, mas estavam tãããão longe que não eram motivo para preocupação).

Estava absorta em outros pensamentos: a instalação da antena de celular naquelas bandas. Era, sem dúvida, um progresso trazido à cidade, graças à contribuição significativa da GC Foods. Mas a incidência de 30 casos de leucemia e de mielomas múltiplos naquele fim de mundo de 13 mil habitantes era, para Flora, a prova concreta do perigo da radiação de micro-ondas emitida pela torre.

"Quer um gole?", ofereceu a George.

"Eca. Odeio pêssego."

"Nossa, é meu sabor predileto."

Dali a dois meses, Flora reclamaria do súbito aumento do preço do suco de caixinha.
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(Capítulo 7.)

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