A posse de Dilma Rousseff, a filha, não a mãe, marca duas discussões bizantinas. A primeira sobre se se pode falar presidenta - já discuti que fica ao gosto do freguês; a segunda se este ano, 2011, marca o início de uma nova década ou se isso foi em 2010.
É bizantino. Na verdade *todo* ano (ou até todo dia, ou toda hora, ou todo momento) marca o início de uma nova década - a que se inicia ali e vai terminar ao se completar um período de 10 anos. 2010 marca o início da década de 2010-2019; 2011, de 2011-2020.
Os EUA declararam os anos de 1990-1999 como a Década do Cérebro, o período de 2005-2015 (onze anos!) marca a Década da Água para a Vida, das Nações Unidas; 2001-2010 foi a Década Internacional da Cultura da Paz e da Não-Violência para com as Crianças no Mundo, também das Nações Unidas.
Mas então que significa: década de (19)80? Depende. Depende do autor. Pode significar o período de 1980-1989 ou de 1981-1990 ou até mesmo incluir os anos finais dos anos de 1970 e iniciais dos anos de 1990.
O jornalista Peter Biskind fala: "Se alguma vez houve uma década de diretores, foi a de 1970" - para se referir a um período que vai de 1967 a 1980.
No entanto, notando-se que geralmente quando nos referimos à década, digamos, de (19)80, falamos mais de coisas que são de 1982, 1984, 1985, 1987, 1989... que estão incluídas tanto na década 1980-1989, quanto na 1981-1990: haverá uma concordância de mais de 90% nas coisas incluídas (mais de 90% porque normalmente não há uma distribuição homogênea dos eventos incluídos ao longo dos anos - e quase sempre com subrepresentação dos períodos extremos dos períodos).
A picuinha do milênio - começou em 2000 ou em 2001? - pelo menos só ocorre uma vez na vida dos infelizes que nascem nessa época de mudança do quarto dígito (Einstein nunca teve que se preocupar com isso). A picuinha do século vai atazar talvez uma vez na vida um cidadão qualquer (devem ter aporrinhado Einstein com isso uma vez). Já essa discussão praticamente estéril sobre a década vai ocorrer sempre na virada do ano terminado em '0' e na virada do ano seguinte: não importa como você conte a década, duas vezes por decênio enfrentará essa pergunta...
Obs: O bom leitor (ou boa leitora) perceberá que o grau de arbitrariedade é ainda maior. Por que 10, 100, 1.000? Nossa quase tara por números 'redondos' (redondos no sistema decimal) aparentemente deriva do acidente da natureza que nos legou dez dedos nas mãos. Fôssemos monônicos cerebrados estaríamos obcecados com os pares (binário, oi?). A Natureza e a História estão pouco se lixando para nossas convenções decimais. Não ocorrem saltos a cada dez, cem ou mil anos - as mudanças não ocorrem necessariamente pari passu com o modo como contamos o tempo, nem entre as diferentes coisas que nos cercam (vide a excelente postagem de Kentaro Mori no 100 Nexos sobre os diferentes ritmos com que as diferentes tecnologias evoluem): a proclamação da República ocorre ao final da década de 1880 (tenha ela começado em 1880 ou em 1881), mas o efeito foi se dar nas décadas seguintes - politicamente 1889 tem mais a ver com 1892 (ou mesmo 1964!) do que com 1881.
Não que essa organização não tenha nenhum tipo de efeito (bug do milênio, pois não?). Ela nos afeta psicologicamente (rá, milenaristas...) e como a história é fruto de nossas ações, claro que há aspectos que mudam. Falamos de ações negativas complementando com "em pleno século 21!" como se o século 20 estivesse tão distante assim - ao menos isso aumenta a sensação de inadequação de atos tal qual o machismo ou o racismo (que eram tolerados ainda em 1980 ou 1990) como se fosse algo dos anos 1910 ou 1920.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
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