Mostrando postagens com marcador criminalidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador criminalidade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 14 de abril de 2015

Redução da maioridade penal: lá vamos nós outra vez

Já abordei o tema da redução da maioridade penal aqui: sobre a falsidade da premissa de que o ECA permitiria a liberdade de menores sociopatas, e algumas considerações gerais sobre a proposta da redução da maioridade penal.

O tema volta à baila pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovar a admissibilidade da PEC que reduz a maioridade penal para 16 anos. Não é a primeira bizarrice inconstitucional a que a CCJ dá ok (embora alguns ministros do STF pareçam entender que haja a admissibilidade - cuidado! contém paywall poroso). Para o ex-presidente do STF, Carlos Velloso (cuidado! também contém paywall poroso), a redução serviria para inibir a participação de jovens no crime. Esse é um dos principais argumentos dos defensores da medida.

Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, 0,9% dos crimes totais são cometidos por jovens entre 16 e 17 anos. Alguns bradam que esse número, por si só, não significa muita coisa, pois está a se comparar uma faixa estreita de dois anos contra toda a faixa de adultos acima de 18 anos. Bem, aí é só comparar a população. Por interpolação linear sobre os dados do IBGE, pessoas entre 16 e 17 anos são 4,45% da população brasileira. Temos claramente uma *sub*representação de adolescentes nos atos criminais. Na população carcerária, de acordo com o anuário estatístico do MJ de 2012, pessoas de 18 a 24 anos, que são 13,49% da população em geral, representam 29,9% dos encarcerados. Para 25 a 29 anos, os números são 8,96% na população contra 26,2% no cárcere; 30 a 34, 17,9% contra 8,25%; 35 a 44 anos, 16,2% contra 14,1% e acima de 45 anos, 7,2% contra 26,65%.

Oras, o que vemos? Quando o jovem passa deé adolescente - e, portanto, inimputável à luz da legislação atual - ele comete muito *menos* crime proporcionalmente ao seu número absoluto na população. Dos 18 aos 24 anos, quando são plenamente responsabilizados por crimes, estão *super*representados. Cadê o efeito inibidor da maioridade penal?

Claro, a questão é mais complexa. Que tal se virmos por este ângulo? No Brasil, ao atingir a maioridade aos 18 anos, o indivíduo perde uma série de *proteções* legais - não digo da inimputabilidade, mas há uma política para tentar manter os jovens nas escolas, por exemplo. Uma vez adulto, tende a haver uma cobrança para que passe a se virar sozinho.

Em vez de examinar a questão da criminalidade unicamente sob o viés punitivo, na esperança de que haja um efeito inibitório quase mágico (desmentido pelos números), que tal uma política de certa forma de *extensão* da adolescência? Ok, não exatamente isso. Mas para que as garantias legais dos programas de proteção social do menor - acesso à educação, à formação profissional, às condições dignas de vida, ao lazer, ao desporto, etc. - sejam estendidas para o jovem adulto.

Upideite(15/abr/2015): O colunista Leandro Narloch da Veja contesta o número de 0,97%. Ele dá um valor de 3,3% dos homicídios cometidos por adolescentes. Mesmo isso significa uma *sub*representação. Adolescentes de 13 a 17 anos são cerca de 6,6% da população.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O ECA protege menores sociopatas?

No facebook a neurocientista Suzana Herculano-Houzel adiantou o tema de sua coluna na Folha. Diz a cientista em um dos parágrafos:

"Lembrando: cometer um crime hediondo não é garantia de sociopatia (embora seja mais que meio caminho andado...), mas os especialistas sabem muito bem reconhecer os sociopatas homicidas. Acredito que o risco de colocar na cadeia um menor de idade não sociopata seria ínfimo - e com isso a sociedade ganharia proteção daqueles sociopatas que, como eles bem sabem fazer, se aproveitam da proteção atual que o Estatuto da Criança e do Adolescente lhes garante." (grifo meu)

É um equívoco comum. De fato, o ECA diz:
"Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público."

O parágrafo 6o faz com que sociopatas diagnosticados - e indivíduos que apresentem grau de periculosidade incompatível com a vida em sociedade - *não* sejam liberados. São internados em hospitais psiquiátricos.

Diz a lei 5.258/1967:
"Art. 2º São as seguintes as medidas aplicáveis aos menores de 14 a 18 anos
II - se os elementos referidos no item anterior evidenciam periculosidade, o menor será internado em estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do órgão administrativo competente e do Ministério Público, o Juiz declare a cessação da periculosidade.
§ 1º Completada a maioridade sem que haja sido declarada a cessação da periculosidade, observar-se-ão os §§ 2º e 3º do art. 7º do Decreto-lei número 3.914, de 9 de dezembro de 1941.
§ 2º O Juiz poderá sujeitar o menor desligado em virtude de cessação de periculosidade à vigilância, nas condições e pelo prazo que fixar, e cassar o desligamento no caso de inobservância das condições, ou de nova revelação de periculosidade."

Ou seja, para os fins a que se refere SHH, *não* há nenhuma necessidade de alteração dos dispositivos legais. Bastando sua correta aplicação.

Não considero um anátema a discussão da alteração da maioridade penal ou do tempo máximo de internação de menores. É uma questão presente e, devidamente encaminhada, salutar para a autocompreensão da sociedade: que sociedade queremos, como queremos tratar nossos jovens? Só acho que:
1) Ela deve ser realizada com base em argumentos embasados - sem distorções sobre o conhecimento científico a respeito da psicologia humana (não é o caso de que SHH tenha distorcido), sobre a realidade legal (é o caso aqui, credito que ao desconhecimento da legislação por SHH), das condições sociais, do sistema prisional, etc.
2) Alteração na maioridade penal dificilmente afetará o ponto que está por trás da discussão: a redução da violência criminal no país (no caso, cometido por menores). Para tanto creio que seria mais produtivo discutir dois aspectos: a modificação das condições sociais que levam um indivíduo a entrar na vida criminosa e a modificação das condições prisionais e pós-pena que levam um indivíduo a continuar na vida criminosa. Nosso sistema prisional é, nas palavras do Ministro da Justiça, medieval. Extremamente inadequado à recuperação dos encarcerados - com índice de reincidência de 70%. Compare-se com a Noruega, em que há apenas 20% de reincidência. Claro, não são apenas as prisões mais humanas, é a *estrutura social* norueguesa como um todo que contribui para tanto a baixa criminalidade em geral - como baixa desigualdade social, um estado de bem estar social eficiente, um sistema educacional adequado, etc.

Upideite(02/mai/2013): Discordo também que o risco de se colocar na cadeia menor não sociopata seria ínfimo. Como aponta Ogloff 2004 (para personalidades antissociais em geral): "As currently construed, the diagnosis of antisocial personality disorder grossly over-identifies people, particularly those with offence histories, as meeting the criteria for the diagnosis." ["Como atualmente concebido, o diagnóstico de desordem de personalidade antissocial identifica pessoas em grande excesso, particularmente entre aquelas com histórias de delitos, como atendendo aos critérios diagnósticos."]

Upideite(02/mai/2013): Outro ponto em que discordo de SHH. Se sociopata não deixa de ser sociopata, prender para *punir* (como ela sugere em outro parágrafo do mesmo texto) não faz sentido. Seria apenas vingança. A justificativa tem que ser - como é legalmente - o afastamento do convívio social pela periculosidade que representa.

Upideite(07/mai/2013): Coluna da SHH sobre prisão de adolescentes sociopatas.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

PM na USP 2011 (2): A criminalidade caiu 92%, e daí?

Em maio, com a repercussão do homicídio de um estudante da FEA em um estacionamento da USP, houve uma intensificação da atuação da PM dentro do câmpus Butantã. Notícias chegaram a ser divulgadas sobre o aumento da criminalidade dentro da Cidade Universitária nos meses que antecederam o assassinato e a redução após o trabalho da polícia.

Com os protestos recentes que terminou na ocupação da reitoria por alguns alunos e sua posterior prisão, brandiu-se um número de que com a PM no câmpus o índice de criminalidade caiu 92%.

Não consigo evitar de levantar minha sobrancelha esquerda (ao menos metaforicamente, fisicamente não tenho tal habilidade) diante desses números.

Peguei os dados dos registros de ocorrência no câmpus principal compilados pela Guarda Universitária da USP - ela tem alguns problemas, por exemplo, não consta o homicídio do estudante mencionado acima, porém, creio que sirva de indicador geral das tendências. Abaixo está o gráfico com os dados desde janeiro de 2007 até setembro de 2011, que são os disponíveis no momento.

As linhas verticais indicam o mês de maio de cada ano. Eu digo que os números da PM são coisa bem marota. Quer dizer, provavelmente os índices caíram mesmo 90 e tantos porcentos depois que a polícia começou a atuar mais ostensivamente na USP/Butantã, porém a sugestão de que as duas coisas se relacionam é beeeeeeeeeeeeeeem discutível.

Os valores oscilam bastante durante o ano. E bem por volta de maio, quando ocorreu o terrível crime, há um pico de ações criminosas dentro do câmpus e, mesmo nos outros anos em que a PM não foi acionada, esse pico é seguido de uma forte queda. A PM comparou 80 dias antes e 80 dias depois. O crime foi em maio, ou seja, o período pós-homicídio inclui julho, período de férias, quando a circulação no câmpus cai bastante.

Fiz uma comparação para os anos de 2007 a 2011 somando os casos de furto qualificado para os meses de março e abril e para os meses de junho e julho de cada ano, as quedas são: 52%, 22,5%, 21,8%, 41,7% e 41,7%.

Desculpe, mas onde a ação da PM causou a queda mesmo?

Disclêimer: Não digo com isso que a presença da PM seja inútil. Eu mesmo sou favorável a que a PM opere dentro da Cidade Universitária (não que minha opinião importe).